quarta-feira, 18 de abril de 2018


Preservar a cultura do forró
Ao realizar o Fórum Forró de Raiz, o Sesc carioca encampa a luta em defesa dessa manifestação cultural

O Ceará entra na peleja para tornar o forró - que não constitui um único ritmo musical, mas vários, a exemplo do xaxado, do xote, chamego, baião e coco, todos nascidos no Nordeste - Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro.
A realização do Fórum Forró de Raiz está previsto para acontecer em Fortaleza e Juazeiro do Norte, no mês de julho, conforme informa Marcus Lucenna, poeta-cantador e militante da cultura nordestina. Ele explica que a batalha pelo registro junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) se arrasta há pelo menos sete anos.
A batalha começou em 2011, quando Joana Alves, principal articuladora do Fórum Nacional do Forró de Raiz, deu entrada no processo. Marcus Lucenna destaca o apoio que o Serviço Social do Comércio (Sesc) está dando à causa. De 26 a 28 de abril, o Rio de Janeiro, segundo Estado a registrar maior concentração de nordestinos, realizará o Fórum Forró de Raiz. O evento terá início com a realização de audiência pública, das 9h às 12h, no Sesc Ginástico, na Tijuca, encerrando com show-manifesto, dia 28, na Feira de São Cristóvão, que contará com a apresentação de 20 artistas e grupos musicais.
As discussões envolverão tanto artistas quanto outros membros da cadeia produtiva, desde representantes de gravadoras até especialistas em direito autoral.
O processo de reconhecimento de um bem cultural é longo e envolve diversas etapas, sendo necessário também recursos. "O Iphan ficou sem dinheiro", admite Marcus Lucenna, cabendo ao Sesc a realização dos fóruns, que significa a retomada do pleito.
"É preciso buscar os territórios, gravar audiovisuais e depoimentos de quem conviveu com os artistas", detalha o músico, que também acompanha os trabalhos para tornar a literatura de cordel patrimônio imaterial - segundo ele, em fase de finalização.
O mesmo não ocorre com o forró, cujo processo ainda é considerado "incipiente", com apenas 10% ou no máximo 15% das atividades concluídas, revela Marcus Lucenna.
Articulação
A expectativa é que os fóruns sejam realizados até o fim deste ano. No momento, o poeta-cantador conclui o livro "As aventuras de Marcus Lucenna na corte do rei Luiz", que conta a história do forró, editado pela cearense Imeph. O lançamento será na Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
"O Rio de Janeiro não poderia ficar fora dessas ações", afirma Luiz Gastão Bittencourt da Silva, interventor do Sesc carioca, e presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Ceará (Fecomércio), justificando ser o Estado o segundo destino de nordestinos no País.
O objetivo da articulação, que constará de mesas-redondas com a participação de artistas, pesquisadores e profissionais reconhecidos nacionalmente pela sua atuação na cadeia produtiva do forró, é reforçar a batalha em defesa do reconhecimento do Iphan em reconhecer o forró como bem cultural imaterial.
Luiz Gastão Bittencourt garante que "a partir da realização do fórum, o Sesc vai abraçar essa ação", completando que serão mobilizadas todas as unidades da instituição no Brasil. A ideia é que seja redigido documento oficial, após a realização da audiência pública, seminário e mesas-redondas, que acontecerão na unidade Sesc Tijuca.
O material embasará o pedido no IPHAN, juntando-se à documentação do movimento nacional em torno da causa.
Modernização
O forró não constitui um gênero musical, esclarece Marcus Lucenna, que acompanha todos os passos do processo. Ele explica que o termo forró se refere aos locais onde as pessoas se juntam para apreciar a música nordestina, composta por vários ritmos - entre eles xaxado, xote, baião e coco.
Ele surge no século XIX, mas só ganhará popularidade nos anos 1950, ao animar festas através de cantores e compositores como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Marinês e João do Vale.
No início, o chamado forró de raiz contava apenas com sanfona, triângulo e zabumba. A modernização veio nos anos 1990 com o "forró eletrônico" e o "forró universitário".
Marcus Lucenna reconhece que o forró de raiz necessita de proteção, sugerindo a criação de políticas públicas. "Esse outro forró é midiático e os artistas ganham cachês milionários. Estamos falando do tipo que contém o arquétipo dessa manifestação cultural".
Na sua opinião, esses grupos que tocam o "forró de raiz" ainda resistem. Hoje, se grava melhor, em função dos recursos da tecnologia, e os músicos têm melhor formação. Agora sabem ler partituras, o que não acontecia antes. "Houve um crescimento desse tipo de forró herdeiro da poética de João do Vale, Luiz Gonzaga e Marinês", frisa.
Clássicos
No livro, o autor falará sobre a história do forró, tendo como referencial sua trajetória artística. Filho e neto de nordestinos, Marcus Lucenna migrou para o Rio de Janeiro nos anos 1970, considerado o auge da migração nordestina na capital fluminense.
"Na época, estavam construindo o metrô e a ponte Rio-Niterói. Era preciso a criação de espaços para esse povo se divertir. Eles iam para os forrós de quinta a domingo. Inclusive fui atração desses espaços", relembra.
A publicação promete contar a incursão do forró no Rio de Janeiro, nas últimos quatro décadas, resgatando compositores como João do Vale, Catulo da Paixão Cearense, Zé do Norte e Luiz Wanderley, autor da música "Matuto Transviado (Coroné Antônio Bento)", que ficou conhecida na voz de Tim Maia. O paraibano Zé do Norte foi autor da trilha sonora do filme "O cangaceiro" (1953), de Lima Barreto, premiado no Festival de Cannes. "O filme globalizou a música brasileira", conta.
Debate itinerante
Marcus Lucenna adianta ainda que um fórum semelhante acontecerá em São Paulo - a intenção, na verdade, é levar a discussão para 14 estados (além dos nove da região Nordeste, estados que concentram grande número de nordestinos).
Para a obtenção do reconhecimento de um bem cultural como Patrimônio Imaterial Brasileiro é preciso comprovar que o mesmo possui continuidade histórica e tem relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira.
No caso do forró, a solicitação partiu da Associação Cultural Balaio Nordeste, da Paraíba, em 2011. Uma das determinações acertadas foi a realização de fóruns. O primeiro aconteceu em 2015, na cidade de Pessoa, Paraíba.
Na ocasião, foram definidas as diretrizes para a Instrução Técnica do Registro das Matrizes do Forró, uma das etapas do processo.
Os resultados das discussões do Rio - adicionadas àquelas realizadas em outras localidades por onde o fórum passará a partir de agora - vão compor um dossiê sobre o forró de raiz. Trata-se de uma vasta documentação que inclui ainda registros audiovisuais, uma pesquisa etnográfica e um inventário, entre outros conteúdos. O material será entregue ao Iphan.
O Fórum Forró de Raiz começará essa cruzada. Na sequência, unidades do Sesc pelo estado receberão até dezembro uma intensa programação envolvendo a temática. Shows, espetáculos teatrais, artesanato, oficinas e exposições vão jogar luz sobre o assunto, associados à cultura que enriquece todo o cenário brasileiro.
 DiáriodoNordeste

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