Preservar a cultura do forró
Ao realizar o Fórum Forró de Raiz, o Sesc carioca encampa a luta em
defesa dessa manifestação cultural
O Ceará entra na peleja para
tornar o forró - que não constitui um único ritmo musical, mas vários, a
exemplo do xaxado, do xote, chamego, baião e coco, todos nascidos no Nordeste -
Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro.
A
realização do Fórum Forró de Raiz está previsto para acontecer em Fortaleza e
Juazeiro do Norte, no mês de julho, conforme informa Marcus Lucenna,
poeta-cantador e militante da cultura nordestina. Ele explica que a batalha
pelo registro junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) se arrasta há pelo menos sete anos.
A
batalha começou em 2011, quando Joana Alves, principal articuladora do Fórum
Nacional do Forró de Raiz, deu entrada no processo. Marcus Lucenna destaca o
apoio que o Serviço Social do Comércio (Sesc) está dando à causa. De 26 a 28 de
abril, o Rio de Janeiro, segundo Estado a registrar maior concentração de
nordestinos, realizará o Fórum Forró de Raiz. O evento terá início com a
realização de audiência pública, das 9h às 12h, no Sesc Ginástico, na Tijuca,
encerrando com show-manifesto, dia 28, na Feira de São Cristóvão, que contará
com a apresentação de 20 artistas e grupos musicais.
As
discussões envolverão tanto artistas quanto outros membros da cadeia produtiva,
desde representantes de gravadoras até especialistas em direito autoral.
O
processo de reconhecimento de um bem cultural é longo e envolve diversas
etapas, sendo necessário também recursos. "O Iphan ficou sem
dinheiro", admite Marcus Lucenna, cabendo ao Sesc a realização dos fóruns,
que significa a retomada do pleito.
"É
preciso buscar os territórios, gravar audiovisuais e depoimentos de quem
conviveu com os artistas", detalha o músico, que também acompanha os
trabalhos para tornar a literatura de cordel patrimônio imaterial - segundo
ele, em fase de finalização.
O
mesmo não ocorre com o forró, cujo processo ainda é considerado
"incipiente", com apenas 10% ou no máximo 15% das atividades
concluídas, revela Marcus Lucenna.
Articulação
A
expectativa é que os fóruns sejam realizados até o fim deste ano. No momento, o
poeta-cantador conclui o livro "As aventuras de Marcus Lucenna na corte do
rei Luiz", que conta a história do forró, editado pela cearense Imeph. O
lançamento será na Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
"O
Rio de Janeiro não poderia ficar fora dessas ações", afirma Luiz Gastão
Bittencourt da Silva, interventor do Sesc carioca, e presidente da Federação do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Ceará (Fecomércio),
justificando ser o Estado o segundo destino de nordestinos no País.
O
objetivo da articulação, que constará de mesas-redondas com a participação de
artistas, pesquisadores e profissionais reconhecidos nacionalmente pela sua
atuação na cadeia produtiva do forró, é reforçar a batalha em defesa do
reconhecimento do Iphan em reconhecer o forró como bem cultural imaterial.
Luiz
Gastão Bittencourt garante que "a partir da realização do fórum, o Sesc
vai abraçar essa ação", completando que serão mobilizadas todas as
unidades da instituição no Brasil. A ideia é que seja redigido documento
oficial, após a realização da audiência pública, seminário e mesas-redondas,
que acontecerão na unidade Sesc Tijuca.
O
material embasará o pedido no IPHAN, juntando-se à documentação do movimento
nacional em torno da causa.
Modernização
O
forró não constitui um gênero musical, esclarece Marcus Lucenna, que acompanha
todos os passos do processo. Ele explica que o termo forró se refere aos locais
onde as pessoas se juntam para apreciar a música nordestina, composta por
vários ritmos - entre eles xaxado, xote, baião e coco.
Ele
surge no século XIX, mas só ganhará popularidade nos anos 1950, ao animar
festas através de cantores e compositores como Luiz Gonzaga, Jackson do
Pandeiro, Marinês e João do Vale.
No
início, o chamado forró de raiz contava apenas com sanfona, triângulo e
zabumba. A modernização veio nos anos 1990 com o "forró eletrônico" e
o "forró universitário".
Marcus
Lucenna reconhece que o forró de raiz necessita de proteção, sugerindo a
criação de políticas públicas. "Esse outro forró é midiático e os artistas
ganham cachês milionários. Estamos falando do tipo que contém o arquétipo dessa
manifestação cultural".
Na
sua opinião, esses grupos que tocam o "forró de raiz" ainda resistem.
Hoje, se grava melhor, em função dos recursos da tecnologia, e os músicos têm
melhor formação. Agora sabem ler partituras, o que não acontecia antes.
"Houve um crescimento desse tipo de forró herdeiro da poética de João do
Vale, Luiz Gonzaga e Marinês", frisa.
Clássicos
No
livro, o autor falará sobre a história do forró, tendo como referencial sua
trajetória artística. Filho e neto de nordestinos, Marcus Lucenna migrou para o
Rio de Janeiro nos anos 1970, considerado o auge da migração nordestina na
capital fluminense.
"Na
época, estavam construindo o metrô e a ponte Rio-Niterói. Era preciso a criação
de espaços para esse povo se divertir. Eles iam para os forrós de quinta a
domingo. Inclusive fui atração desses espaços", relembra.
A
publicação promete contar a incursão do forró no Rio de Janeiro, nas últimos
quatro décadas, resgatando compositores como João do Vale, Catulo da Paixão
Cearense, Zé do Norte e Luiz Wanderley, autor da música "Matuto Transviado
(Coroné Antônio Bento)", que ficou conhecida na voz de Tim Maia. O
paraibano Zé do Norte foi autor da trilha sonora do filme "O
cangaceiro" (1953), de Lima Barreto, premiado no Festival de Cannes.
"O filme globalizou a música brasileira", conta.
Debate itinerante
Marcus
Lucenna adianta ainda que um fórum semelhante acontecerá em São Paulo - a
intenção, na verdade, é levar a discussão para 14 estados (além dos nove da
região Nordeste, estados que concentram grande número de nordestinos).
Para
a obtenção do reconhecimento de um bem cultural como Patrimônio Imaterial
Brasileiro é preciso comprovar que o mesmo possui continuidade histórica e tem
relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade
brasileira.
No
caso do forró, a solicitação partiu da Associação Cultural Balaio Nordeste, da
Paraíba, em 2011. Uma das determinações acertadas foi a realização de fóruns. O
primeiro aconteceu em 2015, na cidade de Pessoa, Paraíba.
Na
ocasião, foram definidas as diretrizes para a Instrução Técnica do Registro das
Matrizes do Forró, uma das etapas do processo.
Os
resultados das discussões do Rio - adicionadas àquelas realizadas em outras
localidades por onde o fórum passará a partir de agora - vão compor um dossiê
sobre o forró de raiz. Trata-se de uma vasta documentação que inclui ainda
registros audiovisuais, uma pesquisa etnográfica e um inventário, entre outros
conteúdos. O material será entregue ao Iphan.
O
Fórum Forró de Raiz começará essa cruzada. Na sequência, unidades do Sesc pelo
estado receberão até dezembro uma intensa programação envolvendo a temática.
Shows, espetáculos teatrais, artesanato, oficinas e exposições vão jogar luz
sobre o assunto, associados à cultura que enriquece todo o cenário brasileiro.
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