Dandara presente! Parem de nos matar! Eu sou Cíntia Freitas, sou mulher trans e eu faço parte desta sociedade", brada a rainha da quadrilha
Os últimos momentos da travesti que teve sua vida ceifada em março de 2017 aparecem na dança. Três homens cercam Cíntia e fazem gestos de violência. Ao fim do ato, um outro aparece com um carrinho de mão, ferramenta usada para carregar Dandara pouco antes de morrer. A rainha então volta, sobe em uma alegoria, já com novas vestes e brada: "Dandara presente! Parem de nos matar! Eu sou Cíntia Freitas, sou mulher trans e eu faço parte desta sociedade!"
Com o tema "Minha manifestação cultural também é política", a Quadrilha Girassol do Sertão, que completa dez anos em 2018, levanta neste circuito junino temáticas político-sociais relacionadas às minorias em suas apresentações. Alex Xavier, presidente do grupo, avalia que as quadrilhas juninas também têm poder de transformar e formar opinião. "O movimento junino, um dos maiores do País e muito forte no Nordeste, não está alheio diante dessas transformações que o Brasil sofre. Neste ano, queríamos fazer uma temática atual e que manifestasse apoio às minorias."
O presidente da Girassol do Sertão conta que de início houve muita dúvida e impasses. Xavier relata que, por ser um tema delicado e com uma rainha trans em destaque, julgamentos poderia acontecer. "Superamos até nosso próprio preconceito. Culturalmente, a figura da rainha é como se fosse a mulher mais bonita da festa. Escolher uma mulher trans era arriscado, ainda mais no interior e em um distrito pequeno, que é muito tradicional, mas aceitamos o desafio", relata.
A quadrilha estreou na última quinta-feira, 31, na quadra da Escola Maria de Lurdes em Flores. Na última sexta-feira, 1º, foi a vez de tomar a Praça de Flores durante a festa do Sagrado Coração de Jesus. Alex Xavier conta que a reação foi a melhor possível e diz ainda que no fim da apresentação o padre subiu ao palco e aplaudiu. "Foi uma surpresa. Por ser cidade de interior as pessoas ainda são muito conversadoras".
Em sua composição, a temática ainda aborda temas como a ditadura militar e a repressão policial sofrida no período. Com 40 pares dançantes, a Girassol do Sertão está entrando no circuito de competições a partir deste domingo, 3, na espera de contar pontos para representar o Ceará em uma competição regional em junho. No próximo dia 14, a quadrilha está com apresentação marcada no São de João de Maracanaú, um dos mais tradicionais no Estado.
Representatividade
Cíntia Freitas, 26, começou a dançar em quadrilhas em 2009, mas não do jeito que sempre sonhou. Mulher trans, ela ainda não tinha começado a transição e dançava como homem. "Depois de idas e vindas do grupo, em 2014, eu já tinha começado a transição e falei que não dançaria mais de homem e acabei ficando só nos ensaios. Um dia precisaram de uma reserva e só tinha eu. Desde então danço como mulher", conta em entrevista ao O POVO Online.
"É uma honra pra mim representar toda a comunidade LGBT. Ser rainha de quadrilha sempre foi meu sonho. É muito difícil uma travesti ou uma trans dançar em quadrilhas tradicionais. A proposta surgiu e eu não tive como dizer não". A moradora de Limoeiro do Norte avalia que se sentiu em outra realidade quando começou a dançar como mulher nas festas.
Representando Dandara, ela se diz "honrada e muito feliz" de fazer parte do circuito deste ano. "Me sinto realizada", finaliza.
Confira vídeo completo da quadrilha apresentada na última quinta-feira:
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